quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Quem era a equipa de Champions em campo?

Não há nada mais normal para o FC Porto do que perder em Inglaterra. Em 17 jogos, 15 derrotas e 2 empates com golos em cima do minuto 90, de Costinha e Mariano González. 10 golos marcados, 47 sofridos. O FC Porto já foi com equipas bi, tri e tetracampeãs a Inglaterra, mas nunca conseguiu vencer. Dificilmente iria ser ontem, com uma equipa tão mal preparada e treinada, que iria conseguir.

Perder em Inglaterra é normal, mas provavelmente o FC Porto nunca terá apanhado um adversário tão fraco como este Leicester. Na Champions, o FC Porto defrontou sempre as melhores equipas inglesas: United, Liverpool, Chelsea, Arsenal, City. Este Leicester, com todo o mérito que teve na conquista da última época, é mais fraco e joga pior do que qualquer uma delas à época.

Afinal, quem é o clube de Champions aqui? O Leicester, que só ontem ouviu pela primeira vez o hino da Champions no seu estádio, e que há um ano nem sequer sonhava estar nessa posição, ou o FC Porto, que é o recordista de presenças na Liga dos Campeões e todos os anos joga declaradamente para o objetivo de ir aos oitavos-de-final?

Façam um exercício de introspecção. Quantos jogos viram de facto do Leicester esta e na época passada? Viram de facto um futebol que deslumbrava e dominava? Ou limitaram-se a absorver, através da imprensa, os ecos da grande época do Leicester? Todos sabiam dos resultados, que o Mahrez é bom, que o Vardy é um matador, que o Leicester tomou a dianteira na Liga mais competitiva do mundo. Mas quantos jogos viram de facto do Leicester?

A equipa que defrontou ontem o FC Porto estava ao nosso alcance. O Leicester quase não criou ocasiões de golo, não tem um futebol dominador, não tem cultura de campeão. Joga com o ADN de equipa pequena - o mesmo que Nuno Espírito Santo, com ou sem intenção, tem tentado implementar no FC Porto pelo futebol praticado, é certo -, muito aguerrida, juntinha, mas que não pratica um futebol que assuma o jogo, que garante muitas ocasiões de jogo e que distinga uma equipa forte em determinado momento do jogo. 

A diferença esteve no cruzamento de Mahrez para Slimani. Ah, o jeitaço que dá ter argelinos em campo! O FC Porto devia considerar em arranjar um desses. Ontem se calhar teria dado jeito. Vai na volta e se calhar havia um ali pela bancada...

O Leicester nem sequer tem um enorme treinador. Não brinquem. Até há um ano, ninguém dava dois tostões por Ranieri para ganhar o quer que seja. Ganhou a Liga Inglesa, muito bem, foi histórico, teve mérito. Mas um treinador pode fazer uma boa época em 30 anos, mas não é uma boa época em 30 anos que faz um treinador. Jaime Pacheco não passou a ser um mestre da tática quando foi campeão pelo Boavista. Não queiram fazer de Ranieri o que não é. 

O Leicester teve ontem 90 minutos para contrariar tudo isto. Pouco fez para mostrar que era um bicho-papão ou superior. Teve Slimani, essa besta filha de um casamento entre a Lei de Murphy e o efeito borboleta no dia em que Ghilas assinou pelo FC Porto. A diferença esteve aí. Este Leicester é um adversário ao alcance do FC Porto. Ponto.

Por isso, o problema de ontem do FC Porto não estava no Leicester. Estava em Inglaterra. A barreira psicológica não estava em vencer o Leicester, mas sim no historial absolutamente negro em Inglaterra. E estava também na fraca qualidade de um FC Porto que só despertou a partir dos 70 minutos e que mostra um banco onde Nuno Espírito Santo, ainda que não possa haver as maiores expetativas/exigências de grande sucesso sob a sua orientação, teima em não mostrar ponta de evolução desde o início da época.

Faltam 4 jogos, 12 pontos, e o Leicester de ontem não passa no Dragão. Isto se o FC Porto dos últimos 20 minutos de ontem lá decidir aparecer. Os oitavos-de-final continuam ao nosso alcance, mas é essencial fazer o pleno frente ao Club Brugge. 




Danilo Pereira (+) - Os elogios d'O Tribunal do Dragão à exibição de Danilo frente ao Boavista não foram consensuais. Estes têm que ser. Defensivamente, Danilo voltou a estar impecável, desta vez com atenções redobradas por o Leicester jogar com dois pontas-de-lança. No total, foram 28 ações defensivas de Danilo (precipitou-se um pouco no momento que antecede o 1x0 - já lá vamos), entre duelos aéreos, cortes e recuperações de bola, numa exibição quase irrepreensível a nível defensivo. Foi rápido a distribuir e impediu que o Leicester ganhasse caudal ofensivo na segunda parte. Apesar de não ter conseguido fazer uma pré-época adequada, é neste momento imprescindível ao FC Porto. É a única garantia de equilíbrio numa equipa sem fio de jogo.

As entradas em campo (+) - Nos últimos 20 minutos, vimos um bom FC Porto. Pressionante, rápido a chegar ao último terço, a meter gente na grande área e a criar algumas situações de remate. Foi curto, mas foi uma reação saída do banco. André André (dificilmente manterá a titularidade depois deste jogo - André André será sempre uma alternativa útil no plantel, mas nunca será um jogador à volta do qual se possa construir um 11 titular do FC Porto) e Adrián saíram, Herrera e Jota entraram e o FC Porto agitou o jogo. Jota vai sempre à procura da baliza (foi praticamente o primeiro a dar trabalho a Schemichel... aos 72 minutos!) e Herrera soube empurrar a equipa, dando dinâmica, verticalidade e velocidade ao jogo do FC Porto. A entrada de Corona, que fez mais num quarto de hora do que nos jogos a titular que vinha fazendo esta época, fez o FC Porto encostar o Leicester à sua grande área. A bola no poste podia ter tido melhor sorte, mas quem joga apenas 20 minutos não se pode queixar. Nota positiva para as exibições de Layún, Otávio, a espaços, e Óliver. 





A (falta de) tática (-) - «A base do nosso modelo vai ser o 4x3x3. É algo que é da história do FC Porto e que se identifica muito com a ideia que eu tenho para o jogo, um 4x3x3 ofensivo e pressionante, que condiciona a construção contrária e que tem muita gente em zonas de finalização». Estas foram as palavras de Nuno Espírito Santo na pré-época. O FC Porto nunca chegou a espelhar as ideias aqui descritas, pois tem sido quase sempre uma equipa que joga na expetativa, recuada, no erro do adversário (sendo que nem tenta provocar esse erro, ao não pressionar) e que deixa sempre o oponente construir.

Nuno tem o direito de concluir que afinal o 4x3x3 que previa não era o mais adequado ao plantel, e com isso apostar no 4x4x2. Mas o que se tem visto não é uma equipa com plano A e B, não é uma equipa híbrida, não é uma equipa versátil: é uma desorganização absoluta de uma equipa que não tem um fio de jogo, não tem um plano para atacar além do pontapé para a frente, (quase) não tem como libertar individualidades para resolver um jogo e cria poucas situações de perigo. Nuno Espírito Santo tem dito após todos os jogos que o problema é a eficácia, mas não é: o FC Porto cria pouquíssimas situações efetivas de perigo.

Houve uma boa oportunidade para André Silva logo no início do jogo, mas depois só nos últimos 20 minutos é que o FC Porto consegue rematar à baliza. Além disso, estar a oscilar de tática de um jogo para o outro, com isso alterando o posicionamento/funções de jogadores como Adrián e André Silva, prejudica toda a equipa e os próprios jogadores. O FC Porto não tem uma base criada, não tem um padrão de jogo, não tem ligações criadas entre os setores, e os jogadores não revelam grande sintonia quando estão em campo (a espaços, Otávio e André Silva - essa receção de bola, menino! - são os únicos que se vão entendendo). De nada vale ter bom balneário se não houver sintonia em campo. 

Hm, Depoitre? (-) - Num jogo em que o FC Porto nada tinha a perder, sem que André Silva estivesse a ter uma noite feliz, sem experiência ou grande dimensão física no ataque (o FC Porto acaba o jogo com Óliver, Jota, Corona e André Silva na frente), contra uma dupla de centrais fortíssima fisicamente (Huth e Wes Morgan, dois tanques), Nuno Espírito Santo não encontrou utilidade para Depoitre para este jogo? Esta contratação corre o risco de meter Marega num bolso. Mas o grave foi ter confiado em Lopetegui para contratar Campaña, uma solução de fecho de mercado, que veio por empréstimo e que segundo o R&C do FC Porto nem implicou o pagamento de uma comissão discriminada. De não conhecer uma solução de recurso que vem emprestada a não conhecer um dos - senão mesmo o segundo - pontas-de-lança mais caros da história do FC Porto vai uma grande diferença. 

O golo (-) - Lembram-se daquele amigo sportinguista a quem dávamos baile por causa dos golos do Domingos e do Kostadinov? Se o karma tivesse um filho chamava-se Slimani. Meia oportunidade e marca. Mas não podemos ignorar a má abordagem defensiva do FC Porto no momento do golo. Primeiro momento: numa tabela junto à linha, em menos de 4 metros, o Leicester liberta-se da pressão de André André. No raio de ação da bola estão André, Danilo (deixa a sua zona para ir pressionar na segunda linha) e Adrián. Layún está colado à linha, Felipe a 3 metros, Marcano (arrastado por Vardy) 3 metros ao lado. O FC Porto tem o lado esquerdo completamente descoberto, com apenas Alex Telles naquela zona e Otávio ainda distante. Alex Telles é obrigado a ir fechar por dentro, para encurtar a distância em relação a Marcano, e com isso abre-se uma via rápida no corredor. A partir do momento em que o Leicester, logo após a tabela, abre o jogo, a equipa do FC Porto fica toda partida. Bastou um passe longo. Mahrez cruzou sem oposição de Alex Telles (e Mahrez já tinha o apoio do lateral), Felipe ficou a marcar Slimani com os olhos (não se pode deixar um ponta-de-lança destes ganhar a frente) e o Leicester marca num lance em que o FC Porto tinha 10 homens nos últimos 25 metros, tendo bastado para isso um cruzamento e um desvio.


O Leicester não é uma equipa de grande futebol, mas rasgou o FC Porto com uma simplicidade gritante. Tabela curta junto à linha, abertura para o lado direito, cruzamento para a zona onde aparecem os dois avançados e golo. Tão simples, tão difícil. Um FC Porto organizado no processo defensivo, sabendo que espaços ocupar e quem tem que sair na pressão, não permitiria que tivesse havido aquele cruzamento de Mahrez. Sem a bolinha na grande área, podia haver 10 Slimanis em campo, e nenhum deles faria estragos. 

Sendo o Leicester ou não, o FC Porto nunca pode definir o objetivo de ir aos 1/8 da Champions contando com uma vitória em Inglaterra. Por isso, não é o resultado de ontem que deixa os oitavos em risco. Se estão em risco, é pelos 2 pontos que foram dados ao Copenhaga. Há que recuperar do prejuízo diante do Club Brugge. Agora vamos à Choupana, antes de uma paragem para os jogos internacionais. Terminar o primeiro ciclo de 11 jogos com apenas 5 vitórias significaria um dos piores arranques das últimas décadas. Chegamos ao ponto em que só desejamos ver um FC Porto organizado em campo e que não jogue recuado e com medo de sofrer. Já seria um upgrade que nos deixaria mais próximos de vencer. 

PS: Dá para parar de usar a vitória em Roma como referência para o quer que seja? A não ser que continuem convencidos de que vamos jogar contra 9 em todas as partidas. Pelo contrário, ontem jogámos pela primeira vez contra 11 na Europa esta época. Não correu muito bem. 


sábado, 24 de setembro de 2016

Reação, reviravolta e regressão

A velha máxima de que os clássicos / derbys não se jogam, ganham-se, serve para rever positivamente esta vitória. Mais um erro grave de arbitragem obrigou o FC Porto a reagir e a dar a volta à desvantagem ainda na primeira parte. Foi uma boa reação, que simplificou o que poderia tornar-se difícil. Já a segunda parte voltou a mostrar tudo o que de menos bom tem feito o FC Porto em 2016-17, a quatro dias da dificílima visita a Inglaterra.

Ficam os três pontos, bons apontamentos de algumas unidades e uma reação suficiente para responder às circunstâncias e à injusta desvantagem. Mas comparativamente aos jogos anteriores, no final só mudou o resultado. Em Leicester vai ser preciso muito, muito mais.




Danilo Pereira (+) - Uma escorregadela aqui, um ou dois lances em que pareceu alhear-se do jogo... e uma exibição monstruosa. Com Nuno Espírito Santo novamente a mexer em todos os setores, coube a Danilo agigantar-se no meio-campo, numa das exibições mais completas que já fez. Além de ter tentado três vezes o golo (foi, a par de André Silva, o mais rematador), recuperou 13 vezes a bola, fez 6 cortes, ganhou todos os lances pelo ar (5/5), ganhou 11 de 13 disputas de bola e esteve sempre irrepreensível no passe (93% de eficácia). Tudo isto com a particularidade de ter conseguido, a par de Otávio, ser o jogador do FC Porto com mais dribles eficazes em campo. Ontem, pareceu o Fernando mais alto e entroncado.

Otávio & André (+) - Tem nome de dupla musical brasileira, mas foi simplesmente a sociedade que permitiu ao FC Porto desbloquear um jogo que poderia ter-se tornado muito complicado. Logo no lance do golo do empate (em que há um penalty cometido sobre Marcano, que uma vez mais não foi assinalado), Otávio não se limita a meter a bola ao calhas na grande área. Levanta a cabeça e vê que estão a entrar 3 jogadores ao segundo poste, para apenas um do Boavista. André Silva finalizou muito bem nas costas do segundo defesa. 

O 2x1 nasce diretamente de um lançamento de linha lateral. Otávio, o pequenino, é que foi aguentar a bola na grande área, diretamente vinda do lançamento, mesmo com três jogadores do Boavista a cercá-lo (normalmente, quem vai receber é um jogador mais forte fisicamente). Arrancou o penalty e André Silva aproveitou da melhor maneira. Sair a vencer para os balneários foi importantíssimo. Ah: André Silva leva, para já, um golo a cada 185 minutos na Liga. Para já, média superior à de Derlei, Postiga, Jankauskas ou Kostadinov. Vai certamente melhorar.


Outros destaques (+) - Mais um grande jogo de Iván Marcano, que torna absolutamente incompreensível por que é que se lançou Boly no jogo anterior, para se voltar novamente a refazer a dupla anterior. Pelo chão, pelo ar, na marcação e no primeiro passe, esteve sempre irrepreensível e está a ser dos melhores jogadores do FC Porto neste arranque da época. Alex Telles novamente bem na profundidade dada ao corredor, apesar do golo ter sido uma oferta do guarda-redes (e foi preciso isso para se acabar definitivamente com as dúvidas sobre o desfecho do jogo...), e a conseguir entrar em zonas mais interiores. Bom enquadramento de Óliver na equipa, em particular na circulação de bola na primeira parte, e as entradas de Jota e Brahimi agitaram imenso o jogo (os dois criaram mais situações de perigo em 15 minutos do que o FC Porto desde o intervalo). 




Mais do mesmo (-) - Podia o FC Porto deixar de se encolher e acobardar a partir do momento em que está a vencer? Podia, mas não parece estar minimamente interessado nisso. A partir do momento em que se apanha a vencer por 2x1, o FC Porto desiste de pressionar. Deixa o Boavista ter bola, deixa o adversário ter iniciativa de jogo, e faz isso mesmo já tendo na memória recente exemplos de que jogar assim, estando a vencer apenas por um golo, é um risco enorme. Já para não falar que ninguém se pode rever neste estilo de jogo de equipa pequena. A partir do momento em que está a vencer por 2x1, o FC Porto joga como se esperaria que fosse o Boavista a jogar no Dragão: linhas mais recuadas, preocupação em preencher e ocupar os espaços no meio-campo, deixar o adversário avançar e só depois tentar recuperar a bola e sair rapidamente para o contra-ataque. A reincidência deste fator em todos os jogos já deu para entender que isto não é defeito: é feitio. É assim que o FC Porto está apostado em jogar esta época.

Um FC Porto que não pressiona, não vai tentar ganhar a bola no início de construção do Boavista e pareceu sempre ter mais receio de sofrer o 2x2 do que ambição em fazer o 3x1. O Boavista, que ao intervalo tinha 22% de posse de bola, consegue ter mais 10% de posse na segunda parte, o que demonstra que o FC Porto nunca se incomodou em deixar o adversário ter bola. 

Além disso, na segunda parte o FC Porto só aos 76 minutos conseguiu criar um lance de perigo, já depois de Diogo Jota ter entrado. Se é certo que o Boavista também nunca esteve muito perto de chegar ao empate - tomara, em que planeta é que podemos estar receosos que este Boavista marque dois golos no Dragão? -, a postura do FC Porto na segunda parte não espelha em nada a grandeza do clube e de um candidato ao título.

A rever (-) - Ou André André decide acordar ou vai saltar para o banco num piscar de olhos. Está disponível para todos os momentos do jogo, sempre com fibra e energia, mas acaba sempre por não se diferenciar particularmente em nenhum aspeto. Não houve um último passe a sair bem, um bom remate, um lançamento rápido, uma tabela... É preciso muito mais. 

Outro aspeto: viram o guarda-redes do Boavista a tremer por todos os lados quando tinha que agarrar a bola? O FC Porto, aparentemente, não viu. O guarda-redes do Boavista estava claramente sem confiança, a tremer por todos os lados, como se tivesse caído ali de pára-quedas por acidente. Agayev chegou ao Boavista há 10 dias, nem português sabe falar, não se entendia com os seus defesas e ficava em pânico sempre que tinha que se fazer à bola. O que fez o FC Porto para aproveitar a sua insegurança? Nada. A primeira defesa de registo que o guarda-redes tem que fazer é aos 76 minutos. Antes disso, o FC Porto só tinha acertado duas vezes na baliza, nos dois golos de André Silva. Não houve ninguém capaz de acertar na meia distância e de aproveitar a insegurança do guarda-redes, que acabou por oferecer a Alex Telles o 3x1. Numa Liga onde os Salins, os Bracallis e os Cássios, quando engatam, costumam tramar a vida ao FC Porto, não aproveitar os Agayevs para matar o jogo cedo revela pouca matreirice.

Pré-época em fins de setembro (-) - Quando o FC Porto ganha, (quase) ninguém se importa com quem joga e como a equipa joga. Foi o que valeu ontem, se não Nuno Espírito Santo já estaria a ouvir o dobro do que Lopetegui ouviu por culpa da rotatividade. Novamente de um jogo para o outro, muda o esquema tático, mexe em todos os setores e a equipa volta a jogar com outras peças, noutro modelo, a quatro dias de um difícil jogo de Champions. Rotatividade sim, mas que seja feita dentro de uma base já criada e consolidada, que saibamos que funciona. Assim não. O FC Porto nunca ganhou em Inglaterra, se o fizer em Leicester será histórico (um empate, à partida, já seria um excelente resultado), mas ir a um jogo de Champions sem ainda sabermos muito bem como ou com quem vamos jogar não tranquiliza ninguém. Vários reforços chegaram tarde, já com a competição a decorrer, outros não vieram e Nuno Espírito Santo não terá tido o tempo de fazer todas as experiências que pretendia. Mas já não é tempo de experiências, mas antes de apostar nas certezas que se tem, por mais curtas que possam ser.

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Domingos teve o que André Silva não tem

Domingos Paciência foi um dos grandes avançados que o FC Porto teve na sua história. Ganhou 7 campeonatos, 5 Taças, marcou 142 golos e ainda hoje é um dos 6 melhores marcadores da história do clube. Começou a jogar pela equipa principal cedo, quando era sub-19 de segundo ano, seguindo aquilo que eram as tendências da época. 

Quando começou a jogar pelo FC Porto, Domingos não tinha a rodagem que André Silva já tinha (essencialmente de equipa B) quando começou. Mas jogava numa equipa que era a campeã europeia. Na primeira época, em 12 jogos (555 minutos), um golo. 

Na segunda época, na qual fez 33 jogos e 1961 minutos, seis golos. E na sua terceira época na equipa principal, fez apenas um golo, em 21 jogos (890 minutos). Na quarta época, Domingos explodiu e fez 31 golos em 44 jogos. E agora tracemos o paralelismo com André Silva. Fez 14 jogos na primeira época (800 minutos), e 3 golos. Esta época, em 8 jogos (663 min), leva 3 golos.

E se só houvesse Domingos?
Domingos Paciência fez 8 golos pela equipa principal nas suas três primeiras épocas. André Silva, que só começou a marcar em maio, já leva seis. Claro que daqui não se podem tirar grandes conclusões. São épocas diferentes, jogos diferentes, colegas diferentes. E é precisamente este último aspecto que devemos levar em consideração: colegas diferentes.

Domingos Paciência estreou-se num FC Porto que tinha acabado de ganhar a Taça dos Campeões Europeus. André Silva está num plantel em que nenhum dos titulares sabe o que é ganhar alguma coisa pela equipa principal do FC Porto. Só Silvestre Varela, que nem está a ser primeira (ou sequer segunda) escolha, sabe o que é ganhar alguma coisa pelo FC Porto. A diferença começa aqui.

Domingos estreou-se em circunstâncias totalmente diferentes das de André Silva. Para começar, André Silva estreou-se em 2015-16 porque Aboubakar não estava a ser consistente, Osvaldo foi um flop e as apostas de mercado de inverno, Suk ou Marega, tiveram os efeitos esperados. Não havia nenhum avançado no plantel a garantir golos. André Silva foi lançado não para ser alternativa, mas porque começava a não haver alternativa.

Esta época, idem. André Silva joga de início, em primeiro lugar, porque tem qualidade para isso. Mas também não há nenhuma alternativa que garanta mais do que ele. Só se contratou um ponta-de-lança, Depoitre, com limitações técnicas, caraterísticas e currículo incompreensíveis para um jogador com o seu preço. Mesmo os adeptos - O Tribunal do Dragão inclusive - que apostavam em André Silva para 9 titular esta época defendiam que ia ser necessário um terceiro avançado complementar. Esse jogador nunca chegou, e não é que não houvesse soluções nos quadros do clube - havia, fosse para o 4x3x3, fosse para o 4x4x2.

Agora comparem com o que teve, por exemplo, Domingos Paciência. Na época em se estreou, havia o Bibota, que marcou 31 golos essa época. E havia jogadores como Rui Barros, Sousa ou Madjer (até o Valência partir o coração de milhares de portistas), que garantiam mais de uma dúzia de golos cada. 

Na segunda época de Domingos, deu-se o princípio do fim de Fernando Gomes. Sentiu-se a falta dos golos do Bibota, mas ninguém dependeu do jovem Domingos. Veio Rui Águas, mais experiente, e continuámos a contar com o génio de Madjer e a base de jogadores campeões europeus em Viena, já quase todos trintões. 

Terceira época, Águas faz 25 golos e ninguém cobrou nada ao jovem Domingos, que marcou apenas uma vez. Nessa época até houve Demol, um defesa compatriota de Depoitre que se mostrou goleador (se Depoitre repetir o seu número de golos já será bastante positivo). E continuávamos a ter uma base de jogadores fortíssima, como Semedo, André, João Pinto, Geraldão, Branco, Magalhães, Madjer... 

Confiar sem poder depender
André Silva não tem, à data de hoje, nada disso. André Silva está a surgir num FC Porto que não tem cultura de campeão. Está a surgir num FC Porto que nada conquista desde 2013. Está a surgir num FC Porto que está a depender dos seus golos, pois não há ninguém melhor do que ele para essa posição. André Silva tem valor por si próprio, mas é uma pressão imensa. E é de facto estranho que se esteja a pedir mais ao miúdo da formação, de 20 anos, do que àquele que o R&C poderá confirmar como segundo ponta-de-lança mais caro da história do clube.

O FC Porto tem jogadores talentosos no seu plantel, tem jogadores que vão garantir golos e assistências ao longo da época, de Óliver a Otávio, de Corona a Brahimi. Mas não temos jogadores que saibam o que é ganhar pelo FC Porto; não temos jogadores que tenham vindo de uma grande época de valorização; não temos um plantel que mantenha a sua base há já alguns anos; não temos sequer uma liderança marcada pelo sangue na guelra e perspetivas de um futuro vitorioso e animador. Uma realidade bem diferente da que conheceu Domingos.

Vejam só estas duas passagens de uma entrevista ao MaisFutebol de Vítor Rodrigues, antigo jogador da formação do FC Porto que nunca chegou a jogar pela equipa principal, mas talvez entenda melhor essa responsabilidade do que muitos dos que a integram neste momento.
Não consigo entender como é que o FC Porto chegou a este ponto e vamos de mal a pior. Tinha um miúdo que jogou comigo, de 15 anos, num torneio da Nike, que trocou de camisola com um jogador do Benfica, porque ele era benfiquista, vestiu a camisola e entrou no balneário. No dia seguinte mandaram-no embora. Pode ser radical, que é, mas havia identidade.
No balneário havia cacifos de um lado, cacifos do outro, a entrada para a casa de banho e depois o armário do Jorge Costa, onde ele tinha uma santinha. Eu equipava-me ao lado do Nuno Espírito Santo, agora treinador do FC Porto, Derlei, Ricardo Fernandes, César Peixoto. Depois havia Costinha, Vítor Baía, Secretário... Lembro-me que certo dia, estava o Carlos Alberto estava a jogar à bola no balneário com o Alenitchev. De repente, deu um chuto na direção da parede e a santa do Bicho começou a abanar. Ele estava a ler o jornal, levantou os olhos e ficou tudo calado. Se a santa cai…felizmente não caiu, mas ele mandou um berro e os outros fugiram logo. Era uma questão de respeito.
Uma espécie extinta
Desde que Jorge Costa saiu do FC Porto, já tivemos bons capitães. Mas foram capitães que sempre se impuseram pelo diálogo e pela proximidade, não pelo respeito (atenção ao duplo sentido da palavra). Eram capitães para dar palmadinhas nas costas, como Helton ou Lucho, que construíam boas relações através do dialogo, da simpatia, da transmissão de um espírito positivo. Mas não eram o capitão que ia dar um berro aos mais novos, que dava o murro na mesa, o capitão em relação ao qual os mais novos até teriam medo de olhar nos olhos. Bruno Alves foi o único a estar dentro desse perfil desde então. Hoje em dia jogadores como Herrera e Rúben Neves podem fazer bom balneário e até serem respeitados e ouvidos pelos colegas, mas daqui a 15 anos ninguém vai falar deles da mesma maneira que Vítor Rodrigues fala hoje de Jorge Costa. 

De volta ao tema inicial. Nunca ninguém se preocupou com os poucos golos que o jovem Domingos marcava. Se não marcava Domignos, marcava o Gomes, marcava o Madjer, marcava o Águas. Quando não marca André Silva... Quem sobra?

A fatura não pode ser passada a André Silva. André Silva não vai marcar em todos os jogos, não vai resolver todos os jogos. Vai falhar muitas mais vezes quando só tem o guarda-redes pela frente, tal como vai fazer muitos mais golos. A questão é: e quando André Silva falhar, quem vai lá estar para fazer o que André não conseguiu? Seja Corona, Brahimi ou Adrián: não marca um, tem que marcar o outro.

Quando Domingos apareceu era assim. Tínhamos um plantel de campeões, à Porto, o FC Porto crescia na melhor era da sua história, tínhamos profissionais que estavam todos no ponto alto da sua carreira. André Silva vive o oposto. Está a ser o ponta-de-lança titular num FC Porto amorfo, que vive uma das suas piores fases das últimas décadas. 

É justo achar que o FC Porto vai deixar de ganhar por causa de André Silva? É precisamente o oposto. André Silva está a tentar carregar sozinho uma equipa que não tem um matador feito, que não tem extremos que estejam a resolver jogos, que nem sequer tem um meio-campo completo e um modelo de jogo positivo e definido. André Silva tem que melhorar na definição quando entra na grande área, tem que melhorar imenso a sua capacidade de 1x1 e vai ter que ser mais letal na finalização. Certamente que sim. Mas achar que André Silva vai ser parte do problema? Não. Na verdade, é a melhor solução.

E agora? Agora vamos continuar a confiar em André Silva, já amanhã, frente ao Boavista. Confiar sem nunca poder depender dele, como não se pôde depender de Domingos. 

terça-feira, 20 de setembro de 2016

Era o Tondela, parte II

Quem ainda não estava vacinado para passar vergonhas frente ao Tondela ontem teve a sua terceira injeção. No primeiro Tondela x FC Porto, um lance único de inspiração de Brahimi e um penalty detido por Casillas deram uma vitória muito suada. Na primeira visita do Tondela ao Dragão, uma derrota histórica, apesar das muitas ocasiões de golo criadas nesse jogo (18 remates dentro da grande área adversária). E ontem, o pior jogo que o FC Porto alguma vez fez contra o Tondela. 

Foi-se, aos olhos de muitos, o estado de graça de Nuno Espírito Santo e de uma pré-época que estava a ser preparada desde Abril (e que dá a impressão de necessitar de mais uns meses até se descobrir uma equipa). Muda-se novamente a tática de um jogo para o outro, troca-se meia equipa, tudo isto quando ainda nem sequer há uma base criada, um sistema de jogo que assegure a luta pelo título e sem que o FC Porto ainda tenha feito um único jogo esta época que tenha vencido de forma autoritária e consistente (a vitória contra o V. Guimarães foi elogiada, mas não é em todos os jogos que há um golo de canto, um remate desviado e um auto-golo). 

A seca de títulos está a custar tanto que já há quem ache que 20 minutos de bom futebol contra o V. Guimarães e uma vitória contra 9 em Roma são atestados de crescimento e garantia. Não são. O FC Porto de Nuno Espírito Santo evoluiu  pouquíssimo desde a pré-época e continua a jogar como equipa pequena - à imagem daquilo que foram os trabalhos anteriores de Nuno, por isso não é por aí que podem criticar o treinador. 

Possivelmente, sentir-nos-íamos defraudados se Guardiola chegasse e deixasse de usar o tiki-taka. Ou que Diego Simeone deixasse de ter um grupo de jogadores capazes de comer a relva, digeri-la, cuspi-la na cara do adversário e voltar a engoli-la. Ou que José Mourinho deixasse de ganhar jogos a partir do momento em que abre a boca. 

Agora, estarmos desiludidos por o futebol de Nuno Espírito Santo não estar a convencer ninguém? Isso não. Quem acompanhou o seu Rio Ave e o seu Valência não pode estar. Nuno Espírito Santo não era a primeira escolha de quase nenhum adepto do FC Porto para este cargo. Foi o escolhido de Pinto da Costa e, como portistas dedicados que são, muitos apressaram-se a tentar descobrir mil e uma qualidades no treinador, a pensar que um copinho de água suprime a sede de uma multidão. No final, Nuno está sujeito ao mesmo que Paulo Fonseca, Lopetegui ou Peseiro: três maus resultados e está o funeral feito. Com a diferença que consegue, até ao momento, apresentar pior futebol do que os seus antecessores.

Responsabilidades? Poucas ou nenhumas. Não é pessimismo, nem ideias pré-concebidas inflexíveis, é analisar com os olhos e a cabeça em que vez de analisar com o coração. Com o futebol idealizado por Nuno Espírito Santo, em condições normais, o FC Porto não será campeão. Essa história de ser o treinador «da mística, da casa, com garra, que conhece o clube» é uma baboseira se, antes de tudo, não houver competência tática. 

Nuno tem a sua estratégia, está a tentar segui-la, mas se não mudar o FC Porto não vai cumprir os seus objetivos - não estamos a falar em ser campeão, pois a época não foi preparada para terminar com um FC Porto campeão, mas pelo menos estar na luta e dar a ideia clara de que o FC Porto tentou ganhar todos os jogos e lutou até ao último segundo por isso. 

Estamos na 5ª jornada e o FC Porto depende de si próprio. Por isso, a assumi-lo é agora. Nuno Espírito Santo tem que mudar. Lá isso tem. Se quiser ter hipóteses na luta pelo título, tem que ser o treinador que nunca foi. Por outras palavras, contratámos um treinador com uma ideia de jogo que não levará o FC Porto a cumprir os seus objetivos. Faz sentido? Claro que não. Mas a escolha foi feita e agora há que lidar com ela. É preciso mudar e assumir o desejo de jogar como equipa grande, dominadora, objetiva. Pode ser útil alternar entre esquemas táticos, mas para isso é preciso que funcionem. 

Não será a Nuno Espírito Santo que serão cobradas responsabilidades se o FC Porto não cumprir os seus objetivos, pois quem queria determinadamente chegar ao título, numa época de sim ou sopas, não teria contratado Nuno no último defeso. Agora que já cá está, deve pelo menos aos adeptos a tentativa de mudar e tentar crescer. Não essa história de achar que uma equipa que só aos 83 minutos remata pela primeira vez à baliza do Tondela fez o suficiente para ganhar o jogo. Não fez.




Positivo (+) - Casillas fez o máximo que se pode pedir a um guarda-redes: não sofrer golos. Um par de boas intervenções seguraram o 0-0. Alex Telles teve boa disponibilidade ofensiva, bem melhor do que no jogo anterior, e Rúben Neves esteve impecável no passe longo, além de ter sido o jogador que mais bolas recuperou. Brahimi, ao seu estilo e no primeiro jogo a titular esta época, estava a ser o único a desequilibrar e a arrastar a equipa do Tondela quando Nuno o decidiu substituir - será que podemos condenar o individualismo de um jogador se coletivamente a equipa falha? Por outro lado, jogando Brahimi à direita, não é uma posição a que esteja habituado no FC Porto e que favoreça as suas diagonais. Otávio voltou a ser o melhor, particularmente na primeira parte. Óliver acrescentou algo na segunda parte, em particular nos passes para André Silva. Ainda assim, pouco.




Avançados sem preparação (-) - Minuto 42, um exemplo da falta de sintonia absoluta num esquema de dois avançados: Depoitre e André Silva vão os dois pressionar o guarda-redes, ao invés de ir um e outro ficar na cobertura à linha de passe para o defesa mais próximo. Não sabemos quanto tempo esperou Nuno por Depoitre, mas algo está claro: o FC Porto não está minimamente rotinado ou preparado para jogar com dois avançados.

A necessidade de um avançado complementar a André Silva e Depoitre já era clara. Jogando em 4x4x2, ainda mais (que bem encaixaria Bueno neste esquema...). Começando por Depoitre. É tão questionável os adeptos que julgam a contratação sem conhecer o jogador (ainda que a maioria das críticas não se prendam com o jogador, mas sim com o custo) como aqueles que acham que a exibição contra o V. Guimarães já era um atestado de qualidade garantida e de valia de 6M€. Não vale a pena tentar descobrir caraterísticas que não existem. A valia de Depoitre assenta em dois pontos: presença na grande área e capacidade de segurar a bola. Ontem, neste segundo aspeto, Depoitre esteve muito mal. Lento, sem capacidade de movimentação e desmarcação, só apareceu uma vez para um cabeceamento. Depoitre implica uma forma de jogar que o FC Porto dificilmente seguirá - estão mesmo a imaginar o FC Porto a canalizar o seu jogo para Depoitre como em tempos fez para Jardel? Certamente que não. Depoitre tem deficiências técnicas próprias para quem só chegou a profissional aos 24 anos. Pode ajudar a desbloquear alguns jogos pela sua presença na grande área, mas se lá enfiarem qualquer avançado do FC Porto isso também pode acontecer. Certo é que o peso da sua contratação já foi sacudido para as costas de Nuno Espírito Santo - Pinto da Costa disse que não conhecia Campaña, mas esse chegou por empréstimo e não custou mais de 6M€, e chegou para ser alternativa, não para reforçar um setor carenciado. 

Quanto a André Silva, sente-se o peso de ter que depender do avançado para impor velocidade no ataque do FC Porto e dar amplitude à equipa. André Silva está a ser vítima da inconsistência tática de Nuno Espírito Santo, que lhe pede para estar em todo o lado. André Silva tem que cair para os flancos, vir atrás, aparecer na grande área, pressionar, tudo isto enquanto Depoitre tinha dificuldades em se arrastar. Não é fácil.

Por outro lado, tem sido sofrível ver André Silva tentar o 1x1. Raramente acerta uma finta. Isto advém do problema de colocar André Silva mais longe da grande área (e com isso forçá-lo a receber e progredir no terreno, em vez de receber e procurar logo o remate, como típico ponta-de-lança). Mas a verdade é que André Silva não está a conseguir ultrapassar os defesas. Vai invariavelmente contra o opositor e perde a bola. Falhou duas ocasiões de golo, algo obviamente também revisto pela negativa. 

Nuno Espírito Santo tem que decidir o que fazer com André Silva. Neste momento, estamos a pedir muito ao jogador. André Silva não pode ser o salvador da pátria. E parece que enraizou esse pensamento, na forma como tenta sempre puxar o 1x1 numa equipa sem ideias. André Silva tinha capacidade para ser o 9 do FC Porto esta época? Tinha, tem. Mas podemos esperar que resolva todos os jogos? Certamente que não. José Mourinho teve Postiga ou Derlei, McCarthy ou Jankausas. Quando falhava um, acertava o outro. Quando falha André Silva - que está a falhar -, quem sobra a este FC Porto? Vai-te preparando, Rui Pedro - ou então Areias, cuja cláusula de opção de compra torna o preço de Depoitre absolutamente compreensível. Enfim.

Falta de criatividade (-) - Jogar com dois avançados pode ser uma solução, se a equipa souber como os servir. André Silva teve duas excelentes ocasiões, mas foram 80 minutos em que o FC Porto foi uma nulidade absoluta em termos ofensivos, muito por causa da incapacidade de criar desequilíbrios no último terço. O Tondela controlou sempre bem a profundidade e o FC Porto não está a ter o fator match-winner num dos seus extremos para resolver jogos. Brahimi não está habituado a jogar à direita e acusou essa pressão. Brahimi e Otávio procuraram explorar o espaço interior, mas o Tondela fechou-se sempre bem. 

Por outro lado, André André, por mais disponibilidade que possa ter, nunca vai ser aquele jogador capaz de fazer uma época inteira a titular no FC Porto. É útil, uma formiguinha de trabalho, que luta sempre pelo FC Porto, mas com dificuldades em encontrar espaço, em fazer passes de ruptura e em acrescentar uma capacidade de meia distância que o FC Porto não tem. Com Brahimi e Otávio no espaço interior, isto devia dispensar André André de funções mais criativas, mas a estratégia não funcionou. Herrera também não está bem e foi para o banco, Evandro não é opção, Sérgio Oliveira nem devia ter começado a época e João Carlos Teixeira desapareceu inexplicavelmente das opções de Nuno Espírito Santo (podem anotar: se lhe derem uma oportunidade, vão questionar por que é que não a teve mais cedo). No meio de tantos médios, vai ter que ser Óliver e mais 10, caso contrário o FC Porto não vai ter capacidade de ter um médio a desequilibrar em zonas mais adiantadas (tendo em conta que Otávio está a ser opção na ala). 

Muito mais se poderia discutir, como a decisão de desfazer a dupla de centrais, tirando Marcano (que está num bom momento) para colocar Boly (o mais inseguro do quarteto defensivo), mas não foi por aí que o FC Porto deixou dois pontos em Tondela. Jogando em 4x4x2, o único avançado disponível como alternativa estava dispensado na equipa B na pré-época. Isto é um plantel preparado? 

E agora? Agora o FC Porto vai ter que mudar, pois assim não vai ser campeão. Não faz sentido falar em trocas de treinadores, pois os treinadores são para se levar até ao final da época - sobretudo depois do disparate histórico que foi dispensar Lopetegui para ir buscar Peseiro. Nuno vai ter que mudar de estratégia, e a assumi-lo tem que ser agora, ainda à 5ª jornada, em vez de deixarmos que vitórias suadas ou conseguidas em detalhes libertem a ilusão de que os títulos vão inquestionavelmente regressar este ano. Assim não vão, de certeza. O plantel não é suficiente bom? O plantel tem lacunas, claramente, e não foi construído de forma a não deixar dúvidas que o FC Porto tem condições para chegar ao título. Mas para ganhar ao Tondela, tem que servir. E já lá vão 242 minutos, mais descontos, em que não fazemos um golo a uma equipa cujo orçamento não pagava um ano de salários do nosso atleta mais bem pago. Isto também deveria não só motivar críticas aos treinadores, mas envergonhar quem está em campo e quem está sentado, a assistir bem no alto, e só parece ter interesse em falar depois de vitórias. 

E sim, o FC Porto voltou a ser prejudicado pela arbitragem. Com exibições destas, é normal que os portistas não aceitem que se encontre desculpas na arbitragem. Mas não são desculpas, são factos e circunstâncias do jogo: o FC Porto voltou a ser prejudicado. Mas se os seus dirigentes não se revoltam, vão ser o adeptos a fazê-lo? Ah, agora fazemos álbuns no Facebook. Mas se Pinto da Costa diz que não liga a blogues e a redes sociais, podemos assumir que na SAD não se estão a preocupar minimamente com as sucessivas arbitragens que estão a prejudicar o FC Porto? 

A 8 de Abril, depois de perder com o Tondela, Pinto da Costa anunciou que o FC Porto bateu no fundo. Agora é caso para perguntar: quando é que decidem parar de escavar ainda mais?


Pergunta(s): O que falta a este FC Porto?

sábado, 17 de setembro de 2016

Otávio by BMG

Otávio não foi um pedido de Lopetegui, nem de qualquer outro treinador. Otávio foi uma aposta da SAD, numa oportunidade de fazer uma transferência com um parceiro do FC Porto, no caso o Banco BMG, através do Coimbra Esporte Clube.

Este é um exemplo de como pode ser fácil contornar a proibição da partilha de passes de jogadores por terceiros. Se os agentes não podem controlar os jogadores, controlam os clubes. 

Ricardo Guimarães, presidente do BMG e antigo presidente do Atlético de Mineiro, decidiu começar a investir em jogadores, criando para o efeito o BR Soccer, registado na CVM e que em 2013 já tinha uma carteira de mais de 100 jogadores, muitos deles protagonistas de transferências muito caras (como Marquinhos, Óscar ou Bernard). Ora o fundo controla a empresa Vevent, que por sua vez assumiu o comando do CEC.
O Jogo, 17.09.2016

Como o Coimbra Esporte Clube serve apenas para manter e transferir os direitos dos jogadores, esses jogadores são espalhados por clubes como Corinthians, Atlético, Cruzeiro, Vasco, São Paulo, Internacional, Fluminense...

A partir daqui, a modalidade de compra é conhecida. No primeiro negócio, o BMG comprou 50% do passe de Otávio por cerca de 1,35 milhões de euros, e adquiriu também 15% que estavam na posse de um fundo japonês. Isso totalizou os 65% que o Coimbra Esporte Clube tinha de Otávio.

No fecho de mercado de 2014, o Inter transferiu os direitos desportivos para o FC Porto. Os direitos de inscrição podem ser transferidos livremente, o que foi o caso. A imprensa, ao consultar o contrato que foi celebrado, chegou a noticiar que a transferência se tinha processado sem custos. Conforme foi explicado aqui, não foi o caso.

Não foi ao Internacional que o FC Porto comprou Otávio, mas sim ao Coimbra Esporte Clube. E ao contrário do que escreveu hoje O Jogo, o FC Porto não comprou 32,5% do passe por 2,5 milhões de euros. Comprou 33%.

«Uma diferença de 0,5% não é nada». É sim, é uma questão de rigor. O FC Porto comprou 33% de Otávio, por 2,5M€, e cedeu 0,5% a uma parte desconhecida. 

Por exemplo, ninguém terá reparado que no terceiro trimestre da última época o FC Porto comprou mais 0,5% do passe de Diego Reyes. Inicialmente tinha comprado 95%, alienou metade e tinha ficado com 47,5%. Nos últimos valores declarados, a SAD já informou ter 48%. Qual foi a pertinência de aumentar, de 47,5% para 48%, a percentagem do passe de um jogador que acabou novamente dispensado? 

Podem não ser quantias muito significativas em empresas que têm receitas e gastos superiores à centena de milhões de euros. Mas no caso de Otávio, desses 0,5% já estaríamos a falar de mais de 37 mil euros, tendo em conta o valor que o FC Porto gastou por 33% do passe. E no caso de Reyes, por esses 0,5%, à luz do que foi pago na transferência inicial, também estamos a falar de 35 mil euros.

Há empresários que não faturam 72 mil euros. E pode não ser uma quantia muito significativa, mas isso dependerá sempre do destino do dinheiro. Por exemplo, por mil euros o FC Porto comprou André Silva. Por 35 mil euros Jorge Mendes comprou 40% de Diogo Jota. Por 750 euros o Benfica comprou Renato Sanches. Por 30 mil euros o Sporting comprou Gelson Martins. E 72 mil euros pagam duas rendas anuais do centro de treinos do FC Porto no Olival. Com pouco é possível fazer muito. Como nota de curiosidade, também foram comprados mais 10% de Hernâni antes de ter sido sem surpresa dispensado. Com que sentido?

Portanto Otávio custou 2,5M€ e foi uma transferência tratada por Reinaldo Teles e Adelino Caldeira. Quando os adeptos discutem o mercado, fala-se um pouco de tudo, de Pinto da Costa a Antero Henrique, de Alexandre Pinto da Costa a Jorge Mendes, da Doyen a Luciano, mas esquecem-se que basta (aliás, é necessário) a assinatura de dois membros do Conselho de Administração para validar uma transferência. Neste caso, no contrato entre o FC Porto e o Internacional para a transferência dos direitos federativos de Otávio, foram Caldeira e Reinaldo a formalizarem o acordo.


O que O Jogo não explicou hoje foi quanto custa comprar mais de Otávio. Neste caso, o FC Porto tem a opção de comprar mais 35% do passe de Otávio por 5 milhões de euros, às entidades GE Assessoria Esportiva (20%) e ao pai de Otávio (15%). Importa dizer que estes 35% já estavam na posse das referidas entidades quando Otávio chegou ao FC Porto. Ou seja, o FC Porto não vai tocar na percentagem que toca ao Coimbra Esporte Clube/BMG, que assim continuará a ter 32% - isto desconhecendo a quem cedeu o FC Porto os restantes 0,5%.

Otávio ficaria assim a um custo de 7,5 milhões de euros por 68% (passados a 67,5%) do passe, além de encargos de 400 mil euros no momento da compra. É uma compra inflacionada, pois Otávio era um suplente do Internacional, sem percurso nas seleções brasileiras, no momento em que foi contratado.

Mas conforme foi opinado na altura, havia sentido desportivo na contratação de Otávio. Não era um Zé Manuel, um Sami ou um Anderson Dim (que chegou depois de Otávio, também via BMG, e a maioria dos adeptos já nem deve saber por onde ele anda - ou sequer que cá esteve). A qualidade, a classe e o potencial eram visíveis. Faltava o mais importante, e Otávio está a tê-lo: empenho, disponibilidade e humildade para aprender.

Sendo jogadores diferentes, tem qualidade como Quintero tinha, mas com uma mentalidade competitiva muito superior. Otávio não é um brinca na areia, não é o craque que pensa que já sabe tudo e o FC Porto tem todas as razões para estar satisfeito com o seu profissionalismo.

Obviamente que, há dois anos, Otávio não valia a avaliação de 7,5M€. São os riscos de começar por avançar para uma percentagem do passe e deixar as cláusulas de compra posteriores com uma grande inflação. Os otimistas poderão dizer que isso é uma maneira de proteger o investimento («É melhor ter dado apenas 2,5M€, e esperar para ter a certeza de que ia evoluir, do que dar logo 7,5M€»). Isso é altamente relativo. Não há partilha de risco no futebol, o risco está sempre em cima dos clubes. Walter é o perfeito exemplo disso - jogou pela última vez pelo FC Porto em 2011, mas no R&C do primeiro semestre ainda tinha contrato com a SAD, que tinha 15% do seu passe. 

Otávio não custou nada na primeira época, pois a dívida ao CEC manteve-se inalterável até ao R&C do primeiro semestre de 2015-16. Os 2,5M€ entretanto já foram pagos, além dos 400 mil euros de encargos. Agora, a maioria dos portistas admitirá que Otávio merece o tal investimento de mais 5M€ por 35% do passe. Pois, mas talvez mereça pelo que é hoje, não pelo que era há 2 anos. Foi graças ao trabalho desenvolvido pelo FC Porto (e neste caso com uma pequena ajuda do V. Guimarães) que Otávio atingiu este nível. Agora, o custo de Otávio dobrou.  E há casos em que até pode triplicar, como o de Gleison.

Otávio tem contrato por mais 3 anos, pelo que neste momento não há pressas para aumentar a percentagem do passe (nem a SAD devia comprar mais percentagem de passes antes de ter em mãos grandes propostas para venda). Mas é tempo de rever a forma como se permite que a percentagem do passe dos jogadores para compras futuras seja tão inflacionada. De 2,5M€ por 33% para 5M€ por 35% vai uma grande diferença. A avaliar por aquilo que eram as cláusulas das partes que não o FC Porto e o CEC, Otávio não estava a ser avaliado em 7,5M€ em 2014, mas sim em quase 15M€

Que o Otávio siga a sua evolução e continue com a mesma e louvável postura. Se continuar assim, o investimento progressivo será um passo natural. Mas o FC Porto não tem que calcular a sua gestão de hoje para ontem, mas sim de hoje para amanhã. 

PS: Luís Filipe Vieira disse durante o jantar de deputados benfiquistas com assento parlamentar que a sua SAD vai apresentar lucros pelo 3º ano consecutivo, o que disse ser um «feito único para os principais clubes portugueses.» Mentiu, pois a SAD do FC Porto conseguiu gerar lucros 5 anos consecutivos, entre 2006 e 2011. Os ares parlamentares fazem mesmo a boca fugir da verdade.

PS2: O empresário de Otávio, na sua entrevista a O Jogo, disse algo importantíssimo. «Ele diz que não há grupinhos no balneário». Mas por mais importante que isso seja, não basta haver sintonia no balneário, é preciso haver sintonia dentro de campo. E é algo que teremos forçosamente que ver contra o Tondela. 

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Precisamos de mais para merecer mais

Os portistas habituaram-se a usar o Artmedia como um forte exemplo para as surpresas que podem acontecer na Liga dos Campeões. Esta equipa eslovaca só foi uma vez à Champions e só lá venceu um jogo. Foi no Dragão, depois de estar a perder por 2x0, num jogo em que fez apenas e literalmente 3 remates em todo o jogo. 

Foi chocante, mas como os resultados têm o poder de turvar a memória das exibições, há quem se esqueça da postura do FC Porto nesse jogo. Com uma grande exibição de Diego, o FC Porto deu espetáculo durante largos minutos. Rematou que se fartou: 28 remates ao longo da partida, dos quais 12 foram à baliza. O guarda-redes adversário fez uma grande exibição. Houve 13 cantos, 66% de posse de bola, bem mais de 60 ataques. O problema foi uma equipa completamente esburacada na defesa, com Ricardo Costa a fazer o pior jogo de que há memória, e muito desacerto no ataque, sobretudo por McCarthy. Mas o FC Porto criou muitas, muitas ocasiões de golo, esteve sempre a atacar e perdeu por culpa da matreirice 100% eficaz do Bratislava.

Ontem não aconteceu nada isso. O FC Porto não ganhou ao Copenhaga porque simplesmente não fez quase nada para isso. O guarda-redes do Copenhaga volta à Dinamarca com apenas uma defesa para registo. Uma. Uma defesa em todo o jogo, e não foi por o FC Porto ter rematado muito ao lado - foi por ter rematado pouco (7 dos 10 remates que fez foram de fora da grande área, o que diz tudo da incapacidade do FC Porto em aproximar-se dos últimos 18 metros). Não foi, ao contrário do que disse Nuno, por falta de eficácia que o FC Porto perdeu o jogo. Foi por falta de qualidade. Falta de eficácia surge quando uma equipa está sistematicamente a atacar, a procurar a baliza adversária, remata e cria ocasiões de golo. O FC Porto pouquíssimas vezes fez isso. Não ganhou porque não fez o suficiente para tal. 

Podemos recuperar duas frases sobre os dois jogos anteriores: «Muitas vezes, goste-se ou não de o ouvir (na verdade, ninguém gosta), o FC Porto está a jogar como equipa pequena». «O FC Porto tem que ter a capacidade de descansar com bola, de manter a posse como forma de gerir a vantagem, ao invés de deixar de pressionar. Sobretudo porque fazer isto com 3x0 no marcador não será a mesma coisa do que tentar fazê-lo com 1x0. Livrem-se.»

Assim foi. O FC Porto não tem a dimensão física do Copenhaga, é um facto. Mas um FC Porto que não pressiona, que fica na expetativa no Dragão, que não procura ter bola e que deixa o adversário avançar até aos últimos 35 metros, para depois recuperar a bola e sair para contra-ataque (sem sucesso), é algo que nunca vimos neste estádio. Já jogámos melhor, já jogámos pior, mas nunca jogámos com princípios de jogo assim. 

Infelizmente, cada vez mais há portistas a viverem na bipolaridade dos resultados. Tudo está bem quando se ganha, e torna-se inaceitável criticar o quer que seja quando a equipa ganha; e tudo está mau quando se perde (o blogue tem sempre muitos mais comentários em dias de maus resultados do que quando o FC Porto vence - e o tom até leva a que a maior parte deles não sejam publicados). Este ciclo já é bem conhecido e também se aplica ao treinador. A quem dificilmente poderão ser cobradas faturas muito elevadas, conforme se opinou no «Manifesto da fé possível». 

Nuno Espírito Santo vai acabar, aos olhos mais genéricos, por estar sujeito ao mesmo que qualquer outro treinador do FC Porto. Se ganhar, maravilha, vai ser sempre elogiado, vão sempre descobrir-lhe mil e uma qualidades; se perder, não presta e já se começa a discutir a troca de treinador antes do natal. O FC Porto habituou-se a este ciclo e vai-se tornando um cemitério de treinadores. 

A verdade é que Nuno Espírito Santo tem poucas ou nenhumas responsabilidades se esta ideia de jogo não corresponder às expetativas da maioria. Está a jogar como jogou no Rio Ave, está a jogar como jogou no Valência (onde na primeira época acabou por haver evolução, para muito melhor, antes da regressão da época seguinte). É simplesmente impossível exigir a Nuno Espírito Santo que faça no FC Porto o que não fez nas épocas anteriores. Isto não é uma época de tudo ou nada para o FC Porto, desculpem, mas não é. Se fosse, o treinador não seria Nuno Espírito Santo, nem a pré-época seria tão mal preparada e gerida. É uma época em que a surpresa será chegar ao título, e não o contrário.

Subitamente, já se critica Nuno Espírito Santo por trocar jogadores e mudar de tática de um jogo para o outro. Exatamente o mesmo que Lopetegui ouvia há dois anos. Mas não deixa de ser curioso que o treinador que mais jogadores mudava no FC Porto, e que também alternava o sistema tático entre o Campeonato e Champions, chamava-se José Mourinho. E ninguém se queixava, porque tinha resultados e bom futebol, com uma dinâmica que procurava sempre o golo e a vitória. 

O problema nunca será a tática ou as peças que Nuno Espírito Santo escolher. Será isso sim a ideia de jogo, os princípios de jogo, a dinâmica da equipa. E baixar as linhas para um bloco recuado, estando a jogar em casa contra o Copenhaga, sendo incapaz de criar uma boa jogada para chegar ao empate na segunda parte, contra 10, nem sequer tendo critério para sair para o ataque... É muito pouco.

Quase que foi um sacrilégio afirmar que as expulsões da Roma tiveram forte influência na forma como o FC Porto chegou à Champions. Pois tiveram sim senhor. O apuramento não se deveu unicamente às expulsões, mas foi alcançado muito graças às expulsões. Em 3 jogos de Champions já houve 4 expulsões a favorecer o FC Porto. Em todo o campeonato português, se calhar não vamos chegar a tanto. Mas desta vez, o FC Porto não conseguiu aproveitar a superioridade numérica.

Era difícil, compreende-se, impor-se no jogo pela dimensão física. O Copenhaga teria sempre jogadores mais fortes, mais altos, e o FC Porto tinha várias formiguinhas em campo. Mas deixar de pressionar o adversário, deixar de tentar ter bola no meio-campo adversário, deixar André Silva quase isolado na frente enquanto os médios e os alas estão 30 metros atrás (e sem saírem para o contra-ataque, no 4x5x1 com que o FC Porto chegou a jogar), não criando ocasiões de perigo... Isto não se ajusta ao FC Porto.

Nuno Espírito Santo destaca que o FC Porto conseguiu «meter a bola na área com critério». Mas a equipa fez apenas 3 remates na grande área, e o guarda-redes do Copeganha praticamente só teve que sair a cruzamentos (foram 37 no total, mas nenhum que levasse açúcar para André Silva, Depoitre e companhia - e nem faria sentido insistir por esta via, pois o Copenhaga é mais forte pelo ar no momento defensivo). 

Não basta o crer, a ambição e a garra. O portismo não ganha jogos, a competência sim - sendo que o portismo pode dar aquele empurrão extra. E esta ideia de jogo, se não for fortemente revista por Nuno Espírito Santo, não trará nada de bom ao longo desta época. A dizê-lo é agora, quando a época está no início, não é depois de uma série de maus resultados. Porque fazer balanços no final é fácil, mas assumir os alertas quando ainda estamos em estado de graça, isso sim, é mais difícil. O treinador não pode ter medo. Não tem nada a perder. Ontem, por ter medo de perder, foram-se dois pontos e um milhão de euros.

Isto não é de todo isolar responsabilidades em Nuno Espírito Santo, que não será nunca, de todo, o responsável por qualquer insucesso esta época. Não pode dar mais do que as condições que tem ou do que o próprio já mostrou na sua carreira. Se conseguir ir aos 1/8 da Champions e estar na luta pelo título nacional até ao fim, já será um superar de expetativas face às condições que estavam previamente reunidas. A época é longa, tanto FC Porto como Benfica ou Sporting vão ter momentos melhores ou piores, mas desde o início da pré-época ainda não vimos um produto que deixe sonhar com grandes feitos. Pode haver evolução? Com certeza que sim, e vai haver. Porque menos do que isto é difícil dar. Por aqui, continuar-se-á a destacar as coisas que precisam de ser melhoras, seja após uma derrota, seja após um empate, seja após 10 vitórias consecutivas. Nuno vai ser, tem que ser, o treinador até ao final da época, logo temos que nos focar naquilo que pode e deve ser melhorado. 

Não se pode exigir o título a um treinador inexperiente e que se estreia neste patamar, a um plantel que é jovem, que não teve nenhum jogador particularmente valorizado na última época (na perspetiva de uma mais-valia), que tem caras novas e jogadores que precisam de tempo para evoluir e render. Mas há uma coisa que nunca poderemos deixar de exigir: que deixem claro que deram tudo, tudo que estava ao alcance para ganhar o jogo. Ser Porto não é ganhar sempre, mas tem que ser lutar sempre para ganhar. O FC Porto ontem não o fez. 

Uma nota positiva para o grande golo de Otávio, assistido por André Silva. A espaços foram-se vindo algumas coisas positivas de Layún, Danilo ou Óliver, mas é difícil destacar grandes coisas do jogo de ontem. Foi mau. 

Na próxima jornada o FC Porto vai a Leicester, Inglaterra, onde nunca ganhou. Em 17 jogos perdeu 15, e os dois que empatou foram com golos em cima do minuto 90 (Mariano e Costinha). Na casa do campeão inglês, um ponto já seria excelente e bem vindo. Uma coisa é a ambição de ganhar, outra é o realismo dos objetivos que podem ser alcançados. Sobretudo quando uma equipa, após o 1x0, se fecha atrás e passa a jogar como equipa pequena. É uma coisa que estávamos habituados a ver no Estádio do Dragão, mas não na equipa da casa. Agora segue-se o Tondela. Se não for pedir muito, que o FC Porto não jogue em Tondela como o Tondela jogaria no Dragão. Os três pontos virão por acréscimo. O FC Porto ontem foi, como disse Nuno, uma equipa que não quer ser. E que nunca poderá ser. 

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Será que chega?

Admitamos uma coisa: o Sporting tem uma estratégia. Pode funcionar ou não, mas tem uma estratégia. E passa muito pelo seu diretor de comunicação, Nuno Saraiva: fazer barulho. Com Nuno Saraiva a mandar bitaites (esqueçam, o professor Hernâni Gonçalves não merece que usem esta expressão de forma tão depreciativa) dia sim, dia sim, Octávio Machado calou-se. E Bruno de Carvalho também passou a ser menos interventivo publicamente e no Facebook.

A ideia é colocar Nuno Saraiva a fazer barulho para que não se debatam outros temas. Porque enquanto se discute o que Nuno Saraiva escreve, esquecem-se outras questões. Como por exemplo, o elevado prejuízo apresentado pelo Sporting, de 32 milhões de euros, só ultrapassado pela gestão de Godinho Lopes; as arbitragens; o facto do Sporting ter um dos - senão o - plantéis mais caros da sua história; as polémicas que envolvem Jorge Jesus; ninguém questiona as novas contratações, que assim têm todo o tempo para se adaptarem e não há pressão sobre elas; É uma estratégia. 

O FC Porto não tem que se preocupar com o que diz Nuno Saraiva. O Sporting cortou relações institucionais com o FC Porto, logo podem muito bem depositar os seus desejos hipócritas de boa sorte para as competições europeias no prenome do Ziegler. Mas é impossível ficar alheio ao convite deixado pelo diretor de comunicação do Sporting, e citando:

«Também vos convido a visitar o nosso Museu Sporting. Está, reconheço, nesta fase, tecnologicamente menos evoluído. Mas, no que respeita a troféus conquistados, tinham de ampliar o vosso no mínimo 10 vezes o tamanho actual.»

Portanto, 10 vezes? Será que chega? Vamos lá ver.

O Sporting tem dois museus. E segundo a insuspeita WikiSporting, o Museu do Sporting tem 1000 metros quadrados, entre oito áreas temáticas de exposição. E o Museu Leiria tem 500 metros quadrados. Portanto entre dois museus, o Sporting tem 1500 metros quadrados de história e oito áreas temáticas.

Agora vamos ajudar Nuno Saraiva a descobrir as dimensões do Museu do FC Porto:


Fazendo então as continhas. O Sporting, tendo dois museus, tem uma área de 1500 metros quadrados e oito zonas temáticas. E o FC Porto tem um espaço de 7000 metros quadrados, com 27 áreas temáticas (e nem vale a pena assinalar a diferença tecnológica e a qualidade da infraestrutura), que tornou-se a maior atração do país

Então tendo o FC Porto um espaço que é imensamente maior do que o do Sporting, recheado de troféus internacionais que são desconhecidos em Alvalade, Nuno Saraiva sugere que o Museu tem que ser aumentado no mínimo 10 vezes? É caso para dizer, bem podem colocar-se em bicos de pés, mas ainda terão que comer muita sopinha para poderem preencher uma área de 7000 metros quadrados de conquistas.

Posto isto, e em dia de FC Porto x FC Copenhaga, há que mencionar uma situação que passou em branco nas duas últimas semanas. Chidozie foi suspenso por dois jogos na Segunda Liga, por causa do lance que aconteceu aos 37 segundos deste vídeo.

O exercício é muito simples: comparar esta suposta cotovelada de Chidozie a outros lances que estão na memória recente de todos os portistas e adeptos do futebol português. E também comparar a celeridade com que estes casos são tratados. 


Este lance aconteceu a 28/08 e Chidozie, dois dias depois, estava a ser suspenso por 2 jogos. É de uma rapidez imensa, sobretudo quando comparada por exemplo com a cotovelada de Slimani a Samaris, lance que demorou quase 5 meses para ser analisado e que terminou com absolvição por parte da Justiça Federativa - antes de em Junho, já após o fim da época, deliberarem por fim um jogo de suspensão. E é difícil descobrir em que medida esta ação de Chidozie pode ter sido mais violenta do que a forma como Coates, William Carvalho e Slimani abordaram determinados lances no último Sporting x FC Porto. O problema é este e a palavra vai ser cada mais utilizada: critério, conforme explica o insuspeito Jorge Coroado. Venha do grego, kritérion, ou do latim, criteriu, o critério é essencial para compreender em que medida é que as coisas podem ser julgadas e comparadas. Seja entre comparar este lance de Chidozie com os de Slimani, seja entre perceber a diferença entre 1500 e 7000 metros quadrados. 

Mas o critério não pode desagradar a todos. Bruno de Carvalho, até há bem pouco tempo, defendia ferozmente o regresso ao sorteio dos árbitros e o fim do sistema de nomeações. 


E agora, que o sistema de nomeações se manteve? Ah, como as coisas mudam...

domingo, 11 de setembro de 2016

Normalidade

Estar já descansado aos 56 minutos, com a equipa a vencer por 3x0 no Dragão e com o resultado controlado no Campeonato. Um luxo que já não acontecia há um ano e cinco meses. O problema resolveu-se com três golos no espaço de menos de 20 minutos, mesmo em lances que obedecem sempre a peripécias específicas (bola parada, remate desviado e auto-golo), com as limitações óbvias de uma equipa que jogou num novo esquema e com os malefícios provocados pela pausa para as seleções, antes da estreia na Champions.

Não foi brilhante, mas houve brilho suficiente para que todos regressassem a casa satisfeitos e com sensação de dever cumprido. Ganhar em casa ao V. Guimarães é normal (19 vitórias nos últimos 20 jogos). E ontem foi normal o FC Porto vencer. Como tem que ser em todos os jogos desta dimensão. 





Óliver Torres (+) - É um daqueles predestinados que tem o tom de, além de acrescentar qualidade por si próprio à equipa, consegue libertar a qualidade dos que o rodeiam. A forma como oferece soluções aos colegas, une os setores e faz fluir o jogo, sempre com um acerto notável no passe (91%), não deixa dúvidas sobre a valia que é tê-lo no plantel. Jogou ligeiramente mais descaído para a faixa esquerda, mas com liberdade para pisar todos os terrenos. Se Nuno não cometer o erro de querer fazer dele mais extremo do que médio, será sempre Óliver e mais 10. Libertar Óliver é libertar o FC Porto.


Iván Marcano (+) - A confirmação de um excelente início de época. Tem sido dos melhores e mais regulares jogadores do FC Porto neste arranque. Fez um golo, mas foi pelo seu papel na defesa que mostrou que Boly, por muito que tenha sido uma contratação caríssima, não tem espaço para entrar neste momento na defesa. Entre cortes e desarmes, foram 11 intervenções de Marcano na defesa. Está confiante, forte na antecipação, competente no jogo aéreo e no início de construção. A dupla com Felipe está a funcionar e, a nível interno, tem que ser mais do que suficiente para consumo. 

Danilo Pereira (+) - Com os laterais muito projetados no ataque e com André André, Óliver e Otávio sempre a pisar terrenos mais adiantados, foi o tampão que manteve o FC Porto equilibrado e seguro na retaguarda. Essencial durante a primeira meia hora, na qual o FC Porto não esteve bem e permitiu que fosse o Guimarães a equipa mais perigosa até ao momento. Acerto em 94% dos passes, 6 desarmes e 6 recuperações de bola. Uma garantia de segurança, de regresso à boa forma, não esquecendo que teve uma pré-época atribulada. 

Outros destaques (+) - Miguel Layún continua a ser o denominador comum na capacidade do FC Porto em criar perigo nas bolas paradas. Bateu o canto para o 1x0, atirou à trave e ainda fez o cruzamento para o 3x0. Jogando no lado direito pode não ser tão forte nos movimentos interiores, mas voltou a ser de uma disponibilidade imensa - incrível o sprint que faz aos 89 minutos, para tentar fazer o 4x0, depois de só ter chegado ao Porto na sexta-feira. Isto, meus senhores, é a definição pura de um jogador à Porto.

Alex Telles esteve bem na constante profundidade que deu ao flanco esquerdo e nos vários cruzamentos que tentou. André Silva teve um falhanço daqueles que ninguém perdoaria a um Marega, um Varela ou um Herrera (é a verdade, goste-se ou não), mas fez um jogo competente numa nova posição. É uma tarefa ingrata, pois até ao momento jogou sempre na posição da qual foi desviado para entrar Depoitre, mas garantiu sempre amplitude ao ataque do FC Porto e saídas rápidas na frente. Tem que melhorar o 1x1 para jogar mais vezes aqui, ainda que não haja dúvidas que a sua melhor posição é a 9. 

Palavra então para Depoitre. Em termos práticos não criou muitos lances de perigo (um bom cabeceamento na primeira parte e uma chegada atrasada a um cruzamento de Óliver), mas destacou-se pela dimensão física que deu na hora de segurar e disputar a bola (ganhou todos os lances aéreos que disputou), além de ter penteado a bola para o golo de Marcano. Depoitre é isto: uma solução diferente na hora de tentar arrombar defesas, que não tem culpa dos custos e contornos da sua contratação. Mas que a sua titularidade não signifique um abuso da tentativa de jogo direto e bola para o ponta-de-lança, como se notou em vários momentos do jogo (pontapé de saída, bola no Alex Telles e balão para a frente? Really?).





Demasiada expetativa (-) - Com Nuno Espírito Santo, o FC Porto passa a ser uma equipa que aposta mais em transições rápidas. Mas isso não pode significar alergia à posse de bola, sobretudo na hora de gerir a vantagem. Depois do 3x0, o FC Porto entrega por completo a iniciativa de jogo ao Guimarães, deixando de pressionar e de querer ter bola no meio-campo adversário. O resultado era confortável, mas o FC Porto tem que ter a capacidade de descansar com bola, de manter a posse como forma de gerir a vantagem, ao invés de deixar de pressionar. Sobretudo porque fazer isto com 3x0 no marcador não será a mesma coisa do que tentar fazê-lo com 1x0. Livrem-se.

A demora em entrar (-) - Nos primeiros 25 minutos, só uma equipa tinha rematado à baliza, e tinha sido o Guimarães. Podemos já falar do golo anulado a André Silva: Nuno Espírito Santo diz que foi bem anulado, mas o lance é no mínimo duvidoso. Tanto que 2/3 d'O Tribunal O Jogo considera que o golo foi limpo, enquanto também identificam dois penaltys por marcar a favor do FC Porto e um vermelho por mostrar ao Guimarães. Jorge Sousa é, opinião, o melhor árbitro português. E é por isso que devemos estar preocupados: todos os lances que suscitam dúvidas estão a ser assinalados contra o FC Porto. Foi assim em Alvalade, foi assim ontem; foi assim com um internacional precoce, foi assim com o melhor árbitro português. Nuno quer ser politicamente correto, quer ser elegante, mas até Rui Vitória, o homem que não falava de arbitragens, percebeu que tinha que ter uma abordagem diferente. Não queiramos ser bons rapazes em demasia.

Quanto ao jogo propriamente dito, a primeira linha de pressão não estava a funcionar. O FC Porto pressionava com os primeiros 5 homens na frente, mas recuperou poucas vezes a bola perto da grande área do Guimarães. Pressionar só com uma primeira linha não funciona: a equipa tem que subir toda, de modo a obrigar o Guimarães a recorrer ao chutão ou a errar. Colocar André Silva, Otávio ou Óliver atrás do portador da bola, mas sem com isso encurtar o campo com a subida da linha defensiva, desgasta a equipa e não asfixia o adversário. Felizmente, uma bola parada e um remate feliz a abrir a segunda parte simplificaram tudo. Saímos satisfeitos no final dos 90 minutos, mas nem sempre poderemos contar que bons 20 minutos se sobreponham aos restantes 70. E isso vale já para quarta-feira.